terça-feira, 30 de novembro de 2010

A PONTE DO CARMO


Chega de manso novembro...
Como saudoso eu me lembro
nessas tardes mornas, calmas,
daquela ponte alterosa,
contemplando-se vaidosa
no espelho – Rio das Almas!

Ponte romântica, altiva,
risonha e convidativa
para o idílio e para o amor,
era o Éden de mil venturas,
ninho de ferventes juras
e abrigo do sonhador.





Paragens de sonhos ledos,
de promessas e segredos,
de cismas e devaneios,
era a ponte das saudades
onde vagam deidades
em vespertinos passeios.

Nas tardes primaveris
quando no róseo tapiz
do poente dormia o sol,
era a paisagem mais bela,
a mais sublime aquarela
aos reflexos do arrebol.





Era o pouso dos suspiros
um dos doces retiros
em noites de lua cheia.
Enquanto o rio cantava,
o luar se espreguiçava
no argênteo lençol da areia.

Hoje, pesaroso e triste,
sei que a ponte não existe.
Que profunda é minha mágoa!
O seu espectro, somente,
mirando a clara corrente
se reflete dentro da água!


Poema de Euler de Amorim, publicado no livro “Pirenópolis em Versos”, edição do autor, 2002, p. 5. Esse poema foi escrito em 1942 e tem um história. Em 1941 ruiu em parte a Ponte do Carmo e isso inspirou o poeta, que via o esqueleto da obra e aquilo tocava seu coração.




by Adriano César Curado, escritor, poeta e historiador. Baixe gratuitamente seu livro DEUS MORA NO SEU INTERIOR ou entre em contado através de adrianocurado@hotmail.com



sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Leo Lynce

Sem nunca ter visitado Pirenópolis, que sempre me ficou a contra-mao nos meus passos incessantes por estes chãos infinitos de Goyaz, tenho-a, entretanto, gravada na imaginação, com as suas velhas igrejas e solares, com as águas cantantes do seu rio e com suas palmeiras suspirosas, como se tudo aquilo me fosse familiar.

Depois da velha capital, Pirenópolis é a nossa cidade mais rica de tradições.

É a lendária Meia-Ponte, edificada as margens do Rio-das-Almas, aonde aportou, em 1731, Manuel Rodrigues Tomar, remanescente das bandeiras anhanguerinas.

Foi lá que, ao alvorecer do século XIX, surgiu o primeiro jornal do Brasil Mediterrâneo – a “Matutina Meiapontense”, fundada pelo comendador Joaquim Alves de Oliveira, o goiano que mais alto elevou no seu tempo e cujas qualidades de inteligência e de caráter, a par da mais perfeita fidalguia de maneiras e acendrado patriotismo, o sábio Frances Saint Hilaire e outros, em publicações memoráveis, louvaram sem restrições.

Terra natal de Xavier Curado, general diplomata e gentleman do 1º. Imperador do cônego Luiz Gonzaga; do padre Nascimento; de Gonzaga Jaime e de tantos outros varões ilustres, Pirenópolis mantem ainda, com galhardia, no trato de seus filhos e na fisionomia da cidade, os seus antigos foros de nobreza.

O soneto abaixo, pelo motivo já explicado, apenas revela vagos traços da cidade, como eu a imagino e compreendo.






PIRENÓPOLIS


Bissecular cidade – monumento,

Que do Rio-das-Almas fica à beira.

Terra de Joaquim Alves de Oliveira

e dos padres Gonzaga e Nascimento.


Que mundo de emoções experimento

ao recordar-te, gleba hospitaleira

-berço da imprensa de Goyaz – primeira

luz acesa no nosso pensamento.


Em cada rua antiga, em cada igreja;

nos pátios e jardins de benfazeja

fronde, por onde o sol se filtra a custo;


No arqueado das portas e janelas,

- tu, velha Meia-Ponte, nos revelas

todo esplendor do teu passado augusto





Publicado no jornal O Popular em 12 de setembro de 1943, edição 482. O texto foi descoberto pela escritora Sinvaline Pinheiro, de Uruaçu, que o enviou ao poeta Luiz de Aquino e este remeteu a mim. Aos dois meu agradecimento.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Pérsio Ribeiro Forzani ( II )


Na sequência da biografia do pintor Pérsio Forzani, relembro a memorável noite de 25.11.2005, na casa da Celg, em frente à Matriz, quando foi organizada uma exposição de sua obra, regada a muita música e poesia. Naquela ocasião, fui escalado pela Aplam para escrever um texto em prol do homenageado, que ficou assim:



Reprodução da capa da Revista Meya Ponte nº 03, da Aplam,
pitura de Pérsio que retrata o castelo do Frota


“A Academia Pirenopolina de Letras Artes e Música (APLAM) surgiu do sonho de gente simples, de poucas posses materiais mas de espírito dotado de sublime inteligência. Não se espere encontrar ali nenhum intelectual sofisticado, frequentador dos banquetes das elites ou paparicado pela mídia nacional. Não se verá tal figura nesta Academia sertaneja. Os membros da APLAM são pessoas impregnadas pelo pó seco do Planalto Central, alimentados pelos frutos do cerrado e bebedores da boa cultura que emana da miscigenação entre negros, índios e portugueses, os povoadores das terras goianas.



Fotografia de pintura de óleo sobre tela de Pérsio,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani


Por outro lado, não se deve ceder à tentação de imaginar que, pela simplicidade de seus membros, as obras são de menor valor. Pelo contrário. Nossos modestos membros, tanto os que ainda labutam nas lides deste plano, quanto os que já se encontram mais próximos ao Criador, todos eles são valorosos operários da cultura de Goiás. Vê-se ali historiadores, pintores, escultores, músicos, compositores e escritores.



Fotografia de pintura de óleo sobre tela de Pérsio,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani


Pérsio Ribeiro Forzani é uma dessas figuras simples e carismáticas que compõem a Academia de Pirenópolis. Num primeiro contato, pode-se ceder ao intuito de imaginá-lo um pessoa frágil e limitada, mas logo essa impressão primeira desaparece quando se conhece seu espírito empreendedor, sua alma sonhadora, sua invencível capacidade de superar os obstáculos que o destino depositou em seu caminho.



Fotografia de pintura de óleo sobre tela de Pérsio,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani


Pirenopolino da velha gema, nosso homenageado vem de família humilde mas de destaque na vida social e cultural da velha Cidade dos Pireneus. Seus parentes ajudaram a abrilhantar a arte da Euterpe, como componentes da escola e banda de música do Mestre Propício, a centenária Fênix. Mas foi a arte desse pintor singular que contribuiu para o resgate de imagens belíssimas e já quase apagadas no inconsciente popular: becos tortuosos, procissões à luz de velas, cavalhadas no largo da Matriz, casarões já demolidos, cenas de importância histórica, e muito mais.



Fotografia de pintura de óleo sobre tela de Pérsio,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani


Apaixonado confesso pela Pirenópolis do passado, quando a pequena cidade se chamava Meia Ponte, Pérsio Forzani faz renascer da magia colorida de telas, tintas e pincéis um mundo fabuloso de damas e cavalheiros, de compositores e maestros inspirados, de coronéis valentes na política fervente, de escravos sofredores pelo chicote dos feitores. Todos eles personagens que um dia calcaram o chão goiano, frequentaram igrejas já extintas, moraram em amplos casarões povoados pela alegria sadia dos tempos de serenatas, ou no interior sombrio duma senzala. Sua pintura retrata ainda a solidão dos pirenopolinos isolados entremeio aos morros arredondados, distantes da capital e visitados vez por outra pelas tropas de mulas e carro de bois dos caixeiros viajantes.



Fotografia de pintura de óleo sobre tela de Pérsio,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani


A Pirenópolis de Pérsio pouco tem da cidade de hoje. Não há ali grandes festivais, turistas em demasia, trânsito engarrafado, enfim, problemas de cidade moderna. Mas, de certa forma, o sonho que sua mente brilhante materializa nas telas vai muito além de uma simples viagem ao passado. No fundo, o pintor que o habita quer mesmo é idealizar uma cidade voltada para o futuro, e também contribui para um Goiás que quer regressar às tradições e cultura esquecidas, ou seja, fazer ressurgir valores que os tempos modernos aos poucos apagam.



Fotografia de pintura de óleo sobre tela de Pérsio,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani.
Nas duas portas da direita funcionou a Coletoria Estadual
e mais tarde o gabinete dentário do Dr. Fernando


O resgate da obra e da vida de Pérsio Ribeiro Forzani, que a APLAM idealizou através desta modesta homenagem, é no fundo uma mensagem de otimismo. É um recado para as gerações do hoje e do porvir, quanto à certeza de que Goiás ainda retomará valores culturais perdidos. Na lembrança do passado ainda próximo, é preciso construir um futuro mais ligado às tradições de raiz, preservando o cerrado, valorizando a arte popular, para, quem sabe um dia, ainda voltarmos à serenidade da velha pátria dos índios Goiases.”



Fotografia de pintura de óleo sobre tela de Pérsio,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani


Pérsio hoje está debilitado, só pinta por encomenda e não dá conta de todos os pedidos que tem. Sem contar que, desde o ano passado, devido a uma queda no banheiro de casa, somente se locomove em cadeira de rodas e com auxílio.



Casa da Celg em Pirenópolis,
local da exposição de Pérsio em 2005



No passado, no máximo de sua produção artística, Pérsio pintou cada uma das centenas de casas retratadas no livro "Casas de Pirenópolis", de Jarbas Jayme.



by Adriano César Curado

domingo, 21 de novembro de 2010

PROCURA-SE


Num classificado de jornal

li um anúncio de alguém

que desejava encontrar

um amigo verdadeiro, companheiro,

leal, legal, atencioso

amoroso e compreensivo.


Organizei uma lista

de conhecidos,

analisei com atenção

todos os itens requeridos,

e um só homem preenchia

tudo aquilo que ela pedia.


Sinto muito,

amiga desconhecida,

mas este não vai,

como poderia ficar

sem meu pai?




Poema de autoria de Vera Lopes Siqueira, pseudônimo Condessa de Meia Ponte, publicado no Jornal Cultural Nova Era, ano VI, n° 22, em fevereiro de 1994, na cidade de Pirenópolis. O Nova Era circulou por muitos anos graças ao empenho de Maria Eunice Pereira Pina e do jornalista José Reis.


Membros da Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música (APLAM) citados:

Maria Eunice, hoje falecida, ocupava a Cadeira n° 4, Patrono Veiga Valle

Vera Lopes Siqueira ocupa a Cadeira n° 18, Patrono José Assuério

José Reis ocupa a Cadeira n° 23, Patrono Irnaldo Jayme

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Pérsio Ribeiro Forzani ( I )

Fotografia de Pérsio na atualidade,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani

PÉRSIO RIBEIRO FORZANI

Membro da Academia Pirenopolina de Letras,

Artes e Música (Aplam)

Ocupante da Cadeira nº 07

Patrono Inácio Pereira Leal



Fotografia de pintura de Pérsio de 1997,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani


Pérsio Ribeiro Forzani (Pirenópolis, 8.2.1931) começou a pintar com carvão no adobe dos muros aos oito anos de idade e, apesar da deficiência física, aprimorou-se nos estudos para aventurar-se na tinta a óleo e pincel. Deu certo. Atualmente, suas milhares de telas se espalham pelo mundo todo.



Fotografia da primeira pintura de óleo sobre tela de Pérsio,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani


O tema de suas pinturas é sempre a cidade de Pirenópolis, que retrata em traços que são característicos de sua arte. Você pode nunca ter visto uma determinada tela de Pérsio, mas se a encontrar em alguma parede, é capaz de afirmar com certeza a autoria.



Reprodução da capa da Revista Meya Ponte nº 10, da Aplam


Seu tema é sempre a amada Pirenópolis, na atualidade ou quando se chamava Meia Ponte. Reproduzindo fotografias e descrições da cidade de antigamente, seu trabalho é, além de arte, instrução que nos mostra a história goiana.



Fotografia de pintura de Pérsio de 2005,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani


Ele é uma criatura dócil, que recebe qualquer pessoa em sua casa e não faz distinção entre ricos e pobres, mendigos ou embaixadores. Sim, todos frequentam a casa humilde de Pérsio. Lá dentro, quase nenhum móvel se vê. Na sala, uma mesa simples com tamboretes. No quarto de pintura, o cavalete e alguns bancos. No quarto de dormir, cama velha mas bem cuidada, um guarda-roupas e uma cômoda com um oratório que tem o interior pintado por ele.



Reprodução da capa da Revista Meya Ponte nº 06, da Aplam

A pintura de Pérsio foi homenageada numa exposição realizada no casarão histórico que é a sede da Celg em Pirenópolis, bem em frente à Matriz, no dia 25.11.2005. Foi uma noite memorável, com direito a sarau, discursos emocionados e, principalmente, com a presença de muitos jovens interessados em conhecer esse ilustre pirenopolino. Pela grandeza desse evento, será tema de um artigo em separado.



Fotografia de pintura de Pérsio de 2008,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani


Uma outra grande homenagem para Pérsio foi feita no Teatro de Pirenópolis, dia 4.6.2010, num sarau abrilhantado por músicos e poetas pirenopolinos ou ligados à velha cidade. A ideia foi da Secretaria de Cultura de Pirenópolis, na pessoa do secretário Gedson, com apoio de José Nominato Veiga (Zezé de Catirina), zelador do prédio do teatro e, obviamente, do prefeito Nivaldo Melo.




Fotografia de pintura de Pérsio,
extraída do site www.pirenopolis.tur.br/persio-forzani


No grande sarau, foi destaque a linda poesia que Luiz de Aquino compôs para o homenageado e que peço vênia para transcrever:


“Pérsio Forzani (o homem que pinta poesia)


Espalho-me ao tempo

ao sol que define os dias,

à Lua que benze as noites.


Nos anos mais verdes,

colhi serenatas plantadas nas ruas

de pedras, sem régua ou compasso.


Ouvi versos cantantes

e acordes dolentes; vi moças bonitas

nas janelas, silentes...


Era um tempo de estrelas

e risos sem censura. A gente vivia

vertigens, e era feliz.


Sol, luar, orvalho!

No verde, mais luz; mais vida

sob os astros.


Meus olhos desenham os morros,

perfis sob azul infinito, moldados

aos traços das línguas dos rios.


A ponte, o amor clandestino.

Carmo, Bonfim, Matriz do Rosário,

Lembranças de eu-menino...


Meus olhos colheram paisagens,

Memória transforma em saudade,

Pincel faz arte e riqueza.


Terra e gente meia-pontense:

Hino e presépio, história em imagem:

Obras de Pérsio, jóias da terra.”




Reprodução da capa da Revista Meya Ponte nº 07, da Aplam


Foi Pérsio Forzani quem criou e pintou o simbolo da Aplam.



Síbolo da Aplam


by
Adriano César Curado

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Fotografias

Praça na frente da Igreja Matriz em 2010

     Quero prestar alguns esclarecimentos sobre as fotografias que publico neste blog.

Fotografia de interior de casarão em Pirenópolis, 2010

     Recebi algumas mensagens que reclamam da tarja "Arquivo da Blibioteca Pyraí" em algumas fotos, o que, segundo os que reclamaram, prejudicam a divulgação das imagens.

Fotografia de interior de casarão em Pirenópolis, 2010

     Minha explicação é a seguinte. A menção ao arquivo da Pyraí só ocorre quando a fotografia é de minha autoria.
 
Teto da Capela-mor da Matriz de Pirenópolis em 1985


     Quando as fotos são históricas, publico-as sem ressalva alguma, pois sei que pertencem ao domínio público e todos devem delas desfrutar.


Ponte do Carmo em 1985

     Possuo em arquivo centenas de fotografias antigas de Pirenópolis, que me foram doadas por parentes e amigos. Não pretendo, como fazem alguns, guardá-las em gavetas ou marcá-las com endereço de sites. Irei publicá-las de acordo com a necessidade dos textos.

Casarão de Tonico do Padre em 1985
     Portanto, sempre que publicar imagens antigas neste blog, podem ficar tranquilos meus leitores, elas virão sem qualquer intervenção minha.


Acampamentos às margens do rio das Almas
década de 1970



Adriano César Curado
 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

TONICO DO PADRE

SÉRIE: PATRONOS DA APLAM
ANTÔNIO DA COSTA NASCIMENTO
(Tonico do Padre)
Patrono da Cadeira nº 05
Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música




Tonico do Padre
 
      Antônio da Costa Nascimento (Pirenópolis, 28.12.1837 – 15.02.1903), apelidado Tonico do Padre por ter sido criado pelo irmão padre Francisco Inácio da Luz. Foi Escrivão de Órfãos de Pirenópolis, exímio maestro e compositor, carpinteiro, marceneiro, pintor, desenhista, Juiz Substituto e tenente da Guarda Nacional. Foi também mestre-de-capela da Matriz de Pirenópolis, a partir de 1867, juntamente com Teodoro Graciano de Pina, responsável pela música vocal. Exerceu o ofício de professor de música, e entre os seus alunos estava Joaquim Propício de Pina, o Mestre Propício, que mais tarde fundaria a Banda Fênix, arquirrival da Euterpe de Tonico. [1]




Padre Francisco Inácio da Luz, irmão de Tonico do Padre


     Casou-se com Maria Francisca Duarte em 12.02.1871. Depois de viúvo casou-se novamente com Virgínia d'Abadia Carvalho (7.2.1892), com quem teve Jaci do Nascimento (Pirenópolis, 17.3.1893 – 24.5.1935). [2]



Casarão onde morou Tonico do Padre.
A 1ª fotografia é de 1985 e a 2ª nos dias atuais


     Tonico do Padre tinha uma personalidade forte, sempre bravo e irritado, não sorria nunca e nem amolecia com seus músicos, que muito o temiam e admiravam. Comandou a Banda Euterpe de 1868 a 1903, quando faleceu. Era descendente de paulistas, da família Rodrigues Nascimento, filho do ilustre professor de primeiras letras e exímio músico José Inácio do Nascimento (1787 – 1850) e de Ana da Glória. [3]


Matriz, tendo a casa de Tonico do Padre à esquerda


     Com a palavra, Jarbas Jayme: “É bem longo esse período de trinta e cinco anos, durante o qual, não obstante seu temperamento irritável e sempre mal humorado – até mesmo com os de sua casa – dirigiu Antônio da Costa Nascimento, com energia e férrea disciplina, a famosa banda, que arrancou de Oscar Leal o seguinte conceito:' Uma das melhores corporações musicais do estado goiano é a que dirige em Pirenópolis o cidadão Antônio do Nascimento, o que é raro encontrar nestes centros”. [4]



Banda Euterpe, tendo ao centro o Maestro Silvino de Siqueira, sucessor de Tonico do Padre


     Sobre o pai de Tonico do Padre, e para conhecermos melhor como nasceu tão grande músico, conta-nos Pina: “O professor José Inácio do Nascimento está entre os mais conceituados artistas de Meia Ponte. No magistério foi mestre de outros mestres; na música foi instrumentista do conjunto musical erudito que existiu no início do século XIX, compositor e regente da Orquestra e coro da Matriz; no teatro atuou como diretor, ensaiador e ator, atuações que lhe deram um destacado papel na vida cultural de Goiás. É certo que o professor Nascimento não constituía uma força isolada. Como nato em Meia Ponte e sem dela jamais ter saído, ao que nos consta, sua formação intelectual e artística deveu-se aos primeiros e velhos mestres que se ocuparam da formação da intelectualidade dos goianos e de sua arte. O professor Nascimento era músico do conjunto instrumental do Pe. José Joaquim Pereira da Veiga (1770 – 1840). Conviveu certamente com os músicos Hilário dos Santos Silva, Manoel Joaquim Batista e outros muitos que compuseram a segunda geração de artistas meiapontenses”. [5]



Forro da Capela-Mor da Matriz, pintado por Tonico do Padre e Inácio Pereira Leal


     Como pintor, Tonico do Padre pintou o forro da capela-mor da Matriz de Pirenópolis, entre 1863 e 1864, juntamente com Inácio Pereira Leal, onde se via a padroeira Senhora do Rosário cercada de anjos, tendo o Menino Jesus nos braços e ao fundo a imagem do paraíso. Essa pintura foi totalmente destruída no incêndio que destruiu o velho templo.



Interior da Matriz antes do incêndio, tendo o forro da Capela-Mor ao fundo


     Sua atividade como músico foi bastante intensa. Ele criou um famoso método para flauta. Foi excelente clarinetista, flautista, saxofonista, compositor e regente. A jornalista Rute Guedes escreveu uma extensa matéria no jornal O Popular do dia 15.02.2003, sob o título TALENTO DE VOLTA À LUZ, numa referência ao curta-metragem produzido por José Lino Curado, “MESTRE-CAPELA TONICO DO PADRE”, onde atuou como ator Guido Campos Correa.


Casarão onde morou Tonico do Padre


     Certo dia, em 1888, Tonico sentou-se à beira do rio das Almas e escutou o ribombar distante dos trovões, com a saparia naquele coaxar que prenuncia temporal. Com pouco tempo já estava ele todo ensopado e com a cabeça cheia de inspiração. Nascia ali o Concerto dos Sapos, uma suíte (movimentos instrumentais tocados sem interrupção) que recria o aproximar da chuva e começa com o ribombar forte dos tambores na imitação dos trovões. Mostrou a obra aos seus músicos e ouviu uma grande gargalhada de deboche. Ficou tão contrariado que recolheu as partituras, guardou-as e nunca mais quis apresentar a peça. Somente no início da década de 1970, mais de oitenta anos depois, foi o Concerto dos Sapos novamente interpretado, agora pela Banda Fênix, que gravou um disco lindo no coro da Matriz de Pirenópolis.



Casarão de Silvino de Siqueira, localizado na rua Direita, sucessor de Tonico do Padre, local onde a Banda Euterpe teve sede por muitas décadas


     O falecido maestro Braz Wilson Pompeu de Pina Filho dedicou boa parte de sua vida a pesquisar e catalogar a obra magnífica de Tonico do Padre. Pina consultou os arquivos da Banda Euperte, Fênix, do Teatro de Pirenópolis, além de vários arquivos pessoais, e chegou à seguinte catalogação:


Museu da Família Pompeu, localizado na rua Nova,
onde se encontra todo o arquivo de Tonico do Padre


HINOS
Hino do Divino 1899
Hino Estadual Goiano 1890
Motetos das Dores 1901
Hino do Sagrado Coração de Jesus
Hino ao Menino Deus 1900
Hino 12 de Maio 1899
Litania 3º a N. S. do Rosário 1899
Novo Padre Nosso 1901
Novo Te Deum Laudamus 1873
Subtuum 1892
Subtuum 1899
O Salutaris Hostia 1892

MISSAS
Missa de 30$000 1877
Missa de N. S. da Abadia 1888

NOVENAS, LADAINHAS
Ladainha Irlandesa 1892
Novena do Boa Morte 1876
Ladainha Nascimento 1885
Ladainha ao Sagrado Coração de Jesus 1902
Jaculatória à N. S. do Rosário 1899
Novena de N. S. da Abadia 1888

MARCHAS FÚNEBRES
Passos em Pirenópolis 1894
O Grande Rabino 1894

MARCHAS
Tome Rícino 1889
Crowatt 1887
O Cabeleira Pernambucano 1888
3 de Outubro 1897
Santo Antônio da Mato Grosso 1898

QUADRILHAS
16 de Junho 1900
18 de setembro 1896
Carmélia 1895
Pequi 1887
Virgínia 1890
Comissão do Planalto 1892
Zulmira 1892
Viegas Escafedeu-se 1887
Harmonias do Coração 1892
Jacy 1893
Tim Tim por Tim Tim 1893
Sempre Chorando 1896
Deodato 1897

VALSAS, TANGOS, HABANANEIRAS, SCHOTTISCH, POLKAS
Mariquita – Grande Valsa 1891
Quem Mandou Sapateiro Tocar Rabecão 1892
Virgínia 1896
Os Teus Anos 1886
O Gemido da Rola 1894
Cacete 1884
Le Oiseau 1884
Sertaneja 1884
Recordações de um Amigo 1884
Saudades da Vidinha 1884
Dalila 1884
Mariposa 1897
A Sinhá 1889
D. Emma Carlson Cuiabá 1892
Rosita de la Plata e Outras 1890

TANGOS
Oh Ma Estrela 1877
Os Teus Anos 1880

HABANEIRAS
Pirenópolis 1892
A Hesperidiana 1877
Santa Cruz 1976
Tentação 1877
A Hesperidiana nº 2 1877
A decisão do Governo 1891
Dá cá o Pé, Papagaio 1877

SCHOTTISCH
Si Si 1902
Uma nova Abaixo de Dó 1902
Sempre Alegre 1896

GALOPE
Jacy 1899

PALKAS
Alberto Augusto 1889
Arlinda 1889

CANÇONETA
Cantata para Festim 1878

FANTASIAS
Noite de Inverno
Amor de Pai

SUITE
Concerto dos Sapos 1888

TEATRO
Música para as peças:
Gonzaga 1889
Cancros Sociais 1893
Três Noivos Distintos e um só Verdadeiro 1881
Cançoneta de Telúrio do Fantasma Branco 1885



Simbolo da Academia Pirenópolis de Letras Artes e Música


     Todo o arquivo musical e os desenhos de Tonico do Padre foram adquiridos por Pompeu Christovam de Pina, de Sinhazinha Ladário, neta do músico, e encontram-se hoje no acervo do Museu da Família Pompeu, localizado na rua Nova, Pirenópolis, Goiás.



Imagem aérea que mostra a localização da casa (1) de Tonico do Padre em relação à igreja Matriz (2)


Notas
[1] Dicionário Biobibliográfico Regional do Brasil, de Mário Ribeiro Martins, via INTERNET, dentro de ENSAIO, no site www.usinadeletras.com.br
[2] Jayme, Famílias..., pp. 336/7
[3] Mendonça, p. 37
[4] Jayme, Esboço..., pp. 251/2
[5] Pina, pp. 2/3


Bibliografia
BERTRAN, Paulo (org. e ed.). Notícia Geral da Capitania de Goiás em 1783. Goiânia: Universidade Católica de Goiás, Universidade Federal de Goiás; Brasília: Solo Editores, 1996.
JAYME, Jarbas. Cinco vultos meiapontenses. Goiânia, Edição Revista Genealógica de São Paulo. 1943.
___. Esboço Histórico de Pirenópolis. Goiânia, Editora UFG, 1971. Vols. I e II.
___. Famílias Pirenopolinas (Ensaios Genealógicos). Goiânia, Editora Rio Bonito, 1973. Vol. V.
___. Vale seis! (Críticas genealógicas). Goiânia, Editora Rio Bonito, 1973.
MARCONDES, Marcos. Enciclopédia da Música Brasileira. São Paulo: Publifolha, 1998.
MENDONÇA, Belkiss Spencière Carneiro de. A música em Goiás. 2. ed., Goiânia, Editora da Universidade Federal de Goiás, 1981.
PALACIM, Luis. Goiás 1722 - 1822. Goiânia, Oriente, 1976.
PINA, Braz Wilson Pompeu de. Antônio da Costa Nascimento (Tonico do Padre), um músico no sertão brasileiro. Revista Goiana de Artes, Instituto de Artes da UFG. Vol. 7, N 1º – jan./Dez. De 1986.
PINTO, Marshal G. Da missa ao Divino Espírito Santo ao Credo de São José do Tocantins. Dissertação de Mestrado apresentada na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de
São Paulo. São Paulo: 2002
POHL, Johonn Emanuel. Viagem no interior do Brasil. Edusp, São Paulo, 1976
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à província de Goiás. Tradução de Regina Regis Junqueira, prefácio de Mário Guimarães Ferri. Belo Horizonte, Editora Itatiaia; São Paulo, Editora da USP, 1975a.
___. Viagem às nascentes do rio S. Francisco. Tradução de Regina Regis Junqueira, prefácio de Mário Guimarães Ferri. Belo Horizonte, Editora Itatiaia; São Paulo, Editora da USP, 1975b.

Site
http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/dezembro2006/textos/artista_sertao.htm
http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=3776&cat=Ensaios&vinda=S


by Adriano César Curado