sexta-feira, 3 de junho de 2016

Dancarinas de cabaré

Naqueles idos de 1930 creio que era mesmo um escândalo uma mulher dançar na noite. E ainda mais se fosse alguém com quem o comissário de polícia tinha uma filha. Todos na pequena cidade sabiam do resultado da aventura extraconjugal do policial, mas mantinham-se em sepulcral silêncio, por razões óbvias. O nome do homem era Lopes e o da dançarina, Marinalva. Um casal que vivia aos trancos e barrancos, com agressões mútuas e escândalos a custo contidos pelos jornais. Uma história assim, por certo, não poderia acabar bem.

O entrevero final se deu numa noite de reinauguração da Casa Estrela, o maior e mais sofisticado cabaré da região, lugar frequentado por políticos, industriais, fazendeiros e outros casca grossa. Marinalva foi previamente apresentada nas propagandas como a atração principal, o "prato do dia", no linguajar da mídia. A esposa de Lopes, inclusive, comentara que era obrigação dele zelar pelos bons costumes e impedir que o rádio noticiasse algo assim a todo momento.

Por volta das vinte horas já não cabia mais ninguém na Casa Estrela. Até sua calçada, e mesmo algumas ruas ao redor, estavam lotadas de curiosos. Quem comprara o bilhete com semanas de antecedência, estava lá dentro. Os demais só podiam se contentar com o entra e sai de gente importante. Sentados às mesas cobertas com toalha vermelha, à luz de um discreto abajur, os homens de sobrecasaca aguardavam ansiosos que Marinalva se apresentasse, enquanto assistiam as apresentações menores e saboreavam Camus Cognac Cuvee a preço de ouro.
Mas nem tudo era tranquilidade naquela casa de shows. Trancada no camarim, Marinalva ouvia as argumentações de Lopes. Ele estava bêbado, cabelo e roupas em desmazelo, e trazia um revólver na mão. Dizia para sua amada que apesar de não poder arruinar o casamento, era dela que gostava. Argumentava também que tinham uma filha e aquela profissão não era digna de uma mãe zelosa. Por fim, terminou com o oferecimento de bancá-la para que não se apresentasse naquela noite.

─ Meu querido, não faço isso por dinheiro. Sou uma profissional da dança, quero que minha arte seja vista. Eu vivo pela satisfação que isso me dá.

─ Mas os homens que estão ali fora não pensam assim. Eles olham para você com malícia de acentuada libido.

─ Não respondo pelos outros. Falo apenas por mim.

Ele está realmente muito nervoso, e agora passa a mão pela testa empapada de suor. O álcool gira na cabeça, embaralha o pensamento

─ Eu também amo muito você, Lopes. Mas sou uma artista, tenho que expressar minha arte. Não faço isso unicamente pelo dinheiro, repito.

Ele então aponta a arma para ela.

─ Não posso ver a mulher que amo e que é a mãe de minha filha se vender assim!  

Quando finalizou o derradeiro show menor e o apresentador estava prestes a anunciar a atração primeira da casa, ouviu-se no salão um estampido de tiro. Alguns se põem de pé, outros se aproximam cautelosos da saída. Afinal, são autoridades públicas que não podem se expor a escândalos.

Mas o vozerio silencia quando Marinalva se apresenta bela e deslumbrante para a plateia boquiaberta. E fez a maior e melhor apresentação de toda sua carreira. E também a última.

Estendido no camarim, uma poça de sangue ao redor do corpo, Lopes jazia com a arma ainda na mão. Suicidara-se, concluiu a perícia. E o interessante da tragédio era que, morto, conseguiu o que não lograra êxito em vida: tomada pela emoção, Marinalva deixou o palco para sempre...

Mas dezoito anos após, Marilinda, a filha, estreava na Casa Estrela.

Adriano Curado

Conto resumido extraído do livro O tapuia que não falava português.

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