quarta-feira, 5 de novembro de 2014

As cicatrizes do escritor

Escrever é um ato solitário, uma viagem para dentro de sí próprio, um passeio pelos recônditos da alma. Estou sempre às voltas com um texto novo. Às vezes me pego de madrugada com o caderno de apontamentos da mão, tento lançar fragmentos de sonhos ou delírios. Isso quando não trabalho no novo livro que pede para ser gestado.

Tamanha dedicação aos textos exige paciência da companheira, dos amigos e filhos. É uma compreensão que não há como explicar e só é dada por quem tem o escritor em grande conta. Sacrifica-se um lado para dar mais ênfase ao outro. Coisas da vida.


Fato é que, se somadas todas as horas que passo comigo mesmo e com as minhas letras, dariam anos de solidão absoluta. Mas sou uma pessoa privilegiada porque posso abrir a janela do meu quarto e vislumbrar à minha frente uma paisagem espetacular. Digo isso porque sei que a maioria não tem esse estímulo visual logo pela manhã. Então começo o dia de excelente humor após a contemplação da sinfonia de pássaros emoldurada pelo verde vivo da mata.

Acordo bem cedo para escrever, antes do despertar da casa, quando o silêncio é meu maior aliado e a inspiração encontra o caminho da literatura. Saio na ponta dos pés, convoco meus personagens para novo embate e nos sentamos todos em frente ao papel e à pena. E então a magia acontece! Não saberia descrever como se dá o parto da escrita. É um dom que poucos têm e uma ínfima parcela exercita. O escriba se abstrai e leva consigo os mundos que tentar criar. Vão todos para uma dimensão apartada, um universo que não é real mas que se incorpora devagar aos sulcos que cava na alma do literato. Todo escritor traz para sempre na alma as cicatrizes do que escreve. Ninguém sai imune de um texto.

Por tudo isso é que valorizo demais as composições literárias alheias, pois sei da dureza dessa profissão. Sempre que me convidam para lançamentos de livros e posso ir dou o ar da graça. Compro um exemplar, peço autógrafo, leio e comento. Não gosto quando me pedem livros de presente porque isso é sinal de que o leitor não me tem em séria conta. Presenteio os que me pedem, mas contrariado. Acho que é muito barato adquirir um livro.

E sigo no afã de escrever enquanto tenho fôlego para isso. Se a chama da literatura se apagar amanhã, pelo menos teria desfrutado da convivência de tantos personagens nesta jornada de isolamentos.

Adriano Curado

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